segunda-feira, 17 de novembro de 2008

À conversa com Ana Lurdes Faustino


Decidi entrevistar a minha mãe, Ana Lurdes Calado Faustino, 41 anos, Juiz de Direito que exerce funções no Tribunal de Évora, sobre a sua profissão por achar que é um assunto interessante e que tem a ver com o meu futuro e com o de mais alguns colegas
A entrevista decorreu no quintal da residência da entrevistada e da entrevistadora.

· Achou o curso de Direito difícil?

É necessário estudar muitas horas de forma a assimilar os conhecimentos, mas no geral não o achei difícil.

· Quais eram as suas disciplinas favoritas?

Direito da Família e Sucessões, matéria que engloba todas as relações familiares, como o casamento, o divórcio, o poder paternal, a adopção e as partilhas na sequência de divórcio ou morte.
Outra das minhas disciplinas favoritas foi Direito Penal, que é a área que acabei por escolher.

· E as mais chatas ou difíceis?

A mais complicada é História das Instituições ou História do Direito Romano, porque é uma matéria muito teórica, na minha altura era leccionada no 1º ano e pensamos que não vai servir para nada decorar o sistema jurídico português do tempo das Ordenações Afonsinas.
Na prática, e para fazer sentenças no século XXI, é de facto necessário perceber a evolução do ordenamento legislativo desde a sua origem.

·O que é que a levou a escolher esta carreira?

Escolhi esta carreira porque é muito interessante, todos os dias são diferentes e constituem um desafio à capacidade de adaptação e compreensão, jurídica e humana, de quem a exerce.

·Que conselho daria a alguém que fosse agora começar a exercer na sua área?

O sistema de formação dos magistrados é eficaz, uma vez que permite a quem vai começar a exercer essa profissão estar durante vários meses junto de um Juiz com muitos anos de carreira, e apenas assistir a julgamentos, antes de os começar a efectuar.
O principal conselho é ter-se um espírito aberto e capacidade crítica, para poder aprender com a experiência dos outros e formar uma opinião própria sobre aquilo que deve ser feito ou não.

·
Na sua opinião, qual é o principal talento, ou qualidade, necessários para singrar na sua profissão?

Acho que para singrar na profissão de Juiz são necessárias várias capacidades, como por exemplo, a paciência e a determinação.
Mas talvez a qualidade mais importante seja a capacidade de se alhear dos pré-juízos em relação a cada caso e encarar cada ser humano com os defeitos e virtudes que o mesmo tem.

·Acha que a sua profissão é complicada?

Acho que é extremamente complicada, designadamente porque neste momento, em Portugal, existem demasiados processos por cada Juiz e um sistema que assegura garantias que complicam em demasia os processos.
O tempo é sempre insuficiente e é necessário saber encontrar o equilíbrio entre aquilo que se poderia fazer e saberia fazer (e seria perfeito dentro do sistema que já referi) e aquilo que é, de facto, possível fazer, tendo em conta o tempo e os meios à nossa disposição. Isso em termos genéricos.
Caso a caso, e para mim que me especializei na área criminal, existem situações em que não é evidente a responsabilidade do arguido, pelo que a eventual condenação do mesmo implica um estudo aprofundado das circunstâncias daquele caso em concreto – com recurso quer à experiência do julgador, quer a outras áreas de conhecimento, como a psicologia, medicina, economia, sociologia, entre outros.
Quando se condena um arguido, especialmente com pena de prisão, opera-se uma profunda alteração na sua vida, presente e futura, sem que seja possível saber se tal alteração será positiva ou negativa face ao funcionamento do nosso sistema prisional. Essa alteração estende-se à vida das respectivas famílias, ou seja, os pais, os cônjuges e os filhos, com maior incidência sobre os menores. Mas, quando não se condena e não se responsabiliza um arguido pelos actos que praticou, na maior parte dos casos, as consequências nefastas recairão sobre as vítimas e respectivas famílias.
Essencial é que o Juiz consiga alcançar uma solução que tenha em conta as provas produzidas no caso, as regras do direito aplicáveis e também a Justiça enquanto ideal superior e diferente do Direito porque a Justiça não é apenas o conjunto das normas aplicáveis, mas também a manifestação da consciência e valores colectivos e também individuais e, na minha opinião, a consciência de um Juiz deve levá-lo a procurar servir a Justiça e não apenas a produzir sentenças em que o Direito esteja correctamente aplicado.
A profissão de Juiz aparenta ser muito complicada, mas com algum trabalho e dedicação consegue-se exercer. Como todas as profissões tem momentos compensadores e outros menos agradáveis.


Ana Miranda – 10ºC – Nº2

2 comentários:

Guarda-Letras disse...

Entrevista com muito interesse e bem conduzida.Além disso, apresenta-se bem escrita, bem estruturada, tornando-se assim num exemplo válido desta tipologia textual. Parabéns, Ana Laura!
F. Beja

miranda disse...
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