sábado, 13 de dezembro de 2008

Vida Dupla












O seu nome é José Couto. Tem 27 anos, vive em Lisboa e é um calceteiro/pianista. De dia, preenche os buracos da calçada; à noite, preenche os ouvidos de quem o ouve tocar.

Entrevistador: Quando começou o seu interesse pela música?

José Couto: Bem, eu oiço música desde o tempo em que estava na barriga da minha mãe. Ela punha CD’s de Beatles, David Bowie ou mesmo Rolling Stones a tocar e colocava os auscultadores na sua enorme barriga, com ela diz que era, para eu ouvir. Ouvia todos os dias. A minha mãe disse que, quando punha os CD’s a tocar, eu dava muitos pontapés e ela sentia-me a mexer. Foi só esperar até eu chegar para fora para poder entrar em verdadeiro contacto com a música.

E qual foi o seu primeiro e verdadeiro contacto com a música?

Foi quando tinha quatro anos. Os meus pais decidiram inscrever-me numa escola de música, onde tive aulas de piano, canto e flauta de bisel. Era um excelente aluno, mas acabei por sair aos seis anos, pois a mensalidade aumentava e o salário dos meus pais diminuía. Mas continuei a praticar. Tinha um piano em casa. Não era de cauda, nem algo do género, mas dava para tocar e isso era o que interessava.

E porquê calceteiro? Porque não fazer da música a sua carreira?

Por uma razão simples: nem sempre somos bem sucedidos como músicos e eu também não tinha dinheiro para frequentar o conservatório, nem para tirar um curso superior.
Eu também sou um desastre noutras áreas. Não tenho pinta nem pachorra para físico, astronauta, biólogo, advogado, nem mesmo para empregado de mesa. Trabalhei num café no Verão de ’99, mas fui despedido por falta de competências.
O meu pai tinha um amigo que era calceteiro e perguntou-me se eu não queria ir trabalhar com ele, pois havia falta de pessoal. Eu lá fui experimentar e saí-me bem. Saí-me tão bem que ainda lá trabalho.

Porque decidiu tocar piano em restaurantes e bares à noite?

Eu, simplesmente, não queria deixar a música e precisava de ganhar mais uns trocos, é verdade. Por isso, peguei no meu talento, não querendo ser muito convencido e fui a vários restaurantes e bares à procura de uma oportunidade como pianista. Lá fui aceite num restaurante. Apesar de me pagarem mal, eu aceitei. Todos os fins-de-semana eu vou tocar a um barzinho no Bairro Alto, mas aí faço trabalho de borla. Não me importo de não ser pago. Quando não posso ir, não vou.

Com duas profissões, não deve ter muito tempo para a família.

Não tenho, é verdade. Mas para alguma coisa servem os Domingos. A minha mulher percebe o porquê destes dois empregos e as minhas filhas também. Se não fosse isso, elas não teriam casa, comida e roupa. Até acham engraçado eu ter duas profissões tão distintas.

Pensa continuar a ser calceteiro/pianista durante o resto da sua vida?

Calceteiro não serei para o resto da minha vida. Um dia, irei reformar-me. Da música nunca me reformarei, nem me cansarei. Quando não me quiserem mais, eu irei continuar a tocar, pois ainda tenho o meu piano de infância em casa.

Beatriz Madeira, 10º C

1 comentário:

Guarda-Letras disse...

Acho verdadeiramente original e criativa esta tua entrevista! As teclas são tão parecidas: as da calçada e as do piano.
Bravo, Beatriz!
F. Beja